Estará a Europa condenada à separação eterna de ideologias políticas e económicas?
Houve tempos em que se sonhou com uma Europa Única, gerida por uma uniformidade política, social e económica. Gerou-se uma esperança, após a Segunda Guerra Mundial que definia esse sonho de Europa, tal como definira Edmund Husserl na sua edição "Conferências de Paris" - 1929:
"Todo o principiante na filosofia conhece o notável percurso do pensamento das meditações. O seu objectivo é, como recordamos, uma plena reforma da filosofia, inclusive a de todas as ciências. Pois estas são apenas membros subalternos de uma ciência universal, a filosofia. Só na unidade sistemática desta podem elas chegar à autêntica racionalidade (...)."(1)
Sobre esta filosofia de unidade sistemática é que se ergueu a Europa pós Guerra, com o nascimento de instituições que se julgava serem capazes de ajudar este continente a tomar um novo rumo.
A União Europeia foi criada com o objectivo de pôr termo às frequentes guerras sangrentas entre países vizinhos, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. A partir de 1950, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço começou a unir económica e politicamente os países europeus, tendo em vista assegurar uma paz duradora. Os seis países fundadores foram a Alemanha, a Bélgica, a França, a Itália, o Luxemburgo e os Países Baixos.
Os anos 50 ficaram denominados como os primeiros da Guerra Fria entre o bloco de Leste e o Ocidente. E ainda em 1957, o "Tratado de Roma" institui a Comunidade Económica Europeia (CEE) ou "Mercado Comum".(2)
Um dos países mais endividados com o colapso económico causado pela Segunda Guerra terá sido a Alemanha, a quem foi perdoada 50% da sua dívida através de um acordo assinado a 27 de Fevereiro de 1953. Entre os países que perdoaram essa dívida estiveram a Espanha, a Grécia e a Irlanda. Para o restante valor da dívida foi feito um reescalonamento, para ser pago num período de 30 anos. E só em Outubro de 1990, dois dias antes da reunificação das Alemanhas, é que o Governo emitiu obrigações para pagar a dívida contraída no período anterior à Guerra.
Uma parte fundamental deste acordo dizia que o pagamento da dívida deveria ser feito somente com o superavit da balança comercial. Simplificando, a Alemanha só era obrigada a pagar a dívida quando conseguisse um saldo de divisas através de um excedente na exportação, não sendo obrigada a utilizar as suas reservas cambiais, podendo ainda a Alemanha levantar barreiras unilaterais que a prejudicassem nas importações.
Hoje, pelo contrário, os países do Sul são obrigados a pagar o serviço das suas dívidas sem que sejam levados em conta os défices crónicos das suas balanças comerciais. A insolvência dos países do sul da Europa - Portugal, Espanha, Grécia, Itália, Irlanda e França -, parece ser hoje o maior flagelo da história da Europa, assim nos é apresentado pela UE sob o escudo de uma nova Alemanha, que se mostra intransigente quanto ao perdão de dívidas, arrastando os países europeus mais fragilizados para o seio de uma Europa novamente dividida.
O surgimento da Troika(3) que hoje conhecemos - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional - veio abalar e fragilizar os países europeus mais endividados com planos de austeridade que marginalizam povos, deixando-os à mercê de planos de recuperação que jamais verão o seu fim.
Alguns destes países - Portugal, Itália, Grécia e Espanha (PIGS(4)) -, foram outrora as grandes potências mundiais, que definiram termos como Estado, Democracia, Cooperação, Comércio e Sociedade. Hoje são marginalizados, transformados numa espécie de países vagabundos, incapazes, desassociados de uma possível prosperidade e é-lhes imposta uma auteridade que rende os seus povos à incapacidade de erguer as suas cabeças, caminhando no sentido oposto ao da união com que outrora se sonhou. O que o plano de austeridade se nega a ver á o arrastar deste arrebatamento que vai minando e destruindo o espírito europeu.
Políticos "responsáveis" gabam-se da diversidade europeia, referindo-se às tradições culturais - consideradas "interessantes e enriquecedoras" - desenvolvidas fora das suas fronteiras nacionais. Louvam essas diferenças e insistem em que sejam preservadas. Contudo, é interessante constatar que qualquer tipo de entusiasmo e de tolerância desaparece dos seus espíritos quando surge o tema diversidade económica.
Todos os Estados-membros, incluindo os da zona euro, têm que cumprir exactamente as mesmas condições. O desempenho económico de cada país é ajustado aos mesmos critérios, dando-se pouquíssima importância ao facto de as tradições económicas europeias serem tão diferentes de uns países para outros.
A ideia de que todos temos que trabalhar segundo o mesmo modelo atingiu o seu limite. os países endividados adoptaram programas de reforma económica que supostamente, lhes trariam estabilidade, e que lhes foram impostos. Mas a verdade é que não conseguem atingir as metas. E as dívidas nacionais aumentam.
O problema é que na prática a estratégia não funciona. Durão Barroso acordou finalmente do coma quando admitiu que "Uma linha política não pode apenas ser válida, tendo também que ser aceite pelos cidadãos. Caso contrário não tem aplicabilidade."(5)
Quando até já a Alemanha, a maior economia europeia, começa a ressentir-se com os actuais planos de austeridade, algo tem mesmo que mudar. Assistimos verdadeiramente a um sonho perdido, com uma Europa à beira do precipício, moribunda e incapaz de se reerguer se continuar a caminhar sobre o mesmo trilho de leis e planos comuns.
A Austeridade Europeia chegou a um impasse. A única solução é deixar a opinião dos povos ser ouvida. A única possibilidade é, talvez, algum tipo de perdão parcial, algum tipo de demonstração de respeito pelo individualismo nacional, algum tipo de respeito pela diversidade económica, e pelo ideal europeu.
(1) “Conferências
de Paris”, Edmund Husserl, Página 5, Conferências de Paris (1929), Tradutores:
Artur Morão e António Fidalgo
(2) União
Europeia, “A História da União Europeia”, http://europa.eu/about-eu/eu-history/index_pt.htm
(3) Termo de
origem russa que designa uma aliança de três personagens do mesmo nível e poder
que se reúnem num esforço único para a gestão de uma entidade ou para completar
uma missão (como o triunvirato histórico de Roma).
(4) Acrónimo
que designa o grupo de países que entraram em recessão a partir de 2008, e
cujas economias passaram a ser consideradas “lixo” (PIG = Porco) – PIGS
(Portugal, Italy, Greece and Spain), ou PIIGS (Portugal, Italy, Ireland, Greece
and Spain) ou por vezes PIIGGS (Portugal, Italy, Ireland, Greece, Great Britain
and Spain).
(5) In, Presseurop,
“Austeridade, uma estratégia falhada”, 24 de Abril de 2013
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