"Se a política externa de qualquer estado se projecta em termos de interesse definido como poder, somos capazes de julgar as outras nações tal como julgamos a nossa."
Hans Morgenthau
Todos os homens nascem iguais, com a possibilidade de garantir através das suas acções, a sua segurança, de acordo com os seus interesses particulares. Numa pré-sociedade, devido à natureza igual de todos os homens, o instinto primordial de sobrevivência leva-nos a caracterizar as suas acções como naturais pondo-nos perante o que designamos por Estado de Natureza. Nesta sociedade, cada um dos actores está em disputa contra cada um dos restantes actores, individualmente - as bases de uma sociedade anárquica, sem governação.
Hoje, a nossa ideia de sociedade é bem diferente. Organizamos-nos socialmente, economicamente, culturalmente, geograficamente de acordo com um grupo de interesses comuns, que uma entidade governativa procura defender e estabelecer igualmente para todos os cidadãos, através do poder, através da influência, através da capacidade de controlar. A esta entidade governativa, soberana, damos o nome de Estado.
Cada homem busca a sua própria segurança, autonomia, poder, glória e prestígio, e será na base destes mesmos princípios que assentam os das Relações Internacionais. Para garantir a segurança mundial, são criadas organizações mundiais que dão voz às Relações Internacionais, e que têm como objectivo pôr em funcionamento mecanismos que garantam a segurança dos cidadãos dos diferentes estados.
Todavia, todos estes mecanismos estão subordinados a uma série de factores que dificultam as acções das Relações Internacionais: os próprios factores culturais, geográficos, políticos, económicos, sociais e ambientais. O que nos trás para a relatividade das condições existentes e das condições desejadas.
Quando o mundo se viu repentinamente confrontado com os acontecimentos do 11 de Setembro, a assombração do terrorismo possuiu o mundo inteiro. A seguir ao choque, procura-se encontrar os culpados de um massacre sem precedentes que deixara o mundo atónito e aterrorizado.
O papel dos media podia ter sido preponderante nesta procura, e na descrição dos acontecimentos que se seguiram. Os factos demonstram o contrário. A filtragem das notícias foi feita de modo a levar-nos a acreditar no que se desejava que acreditássemos.
A culpabilização de indivíduos e organizações por actos que consideramos imprescindível julgar é uma necessidade para o instinto de sobrevivência e para o utópico desejo de Paz permanente. Realmente, o desejo de controlo sobre os outros estados que põem em causa essa estabilidade que designamos por Paz parece impossível de conseguir, num mundo onde a sede de controlo, os interesses económicos e os interesses territoriais se sobrepõe aos interesses de segurança.
Internacionalmente, eram discutidos os próximos passos a dar após os acontecimentos de 11 de Setembro. A única solução parecia ser os Estados Unidos da América declararem guerra ao Iraque, à Al Qaeda, aos Talibãs, ao Bin Laden. O então presidente dos EUA, George W. Bush, deixou bem clara a opinião do seu estado ao declarar "Either you are with us, or you are with terrorism."
Os cidadãos americanos viram-se forçados a seguir os mandamentos da presidência, no que parecia uma total lavagem de cérebros, que uniu todos num mesmo propósito. Mas a verdade é que os cidadãos se viram impossibilitados de definir uma terceira linha de pensamento, opondo-se a qualquer uma das duas anteriores.
Na perspectiva do realismo, a conflitualidade entre estados é a única opção possível no caminho para a paz. Moralmente, os americanos tinham o direito de procurar "um" culpado, e "esse" culpado deveria, indubitavelmente, ser castigado pelo sofrimento infligido sobre eles. Só através da segurança é que se consegue sobreviver, e para haver, segurança tem que haver a capacidade de a proporcionar: PODER.
Logo, independentemente da possibilidade de se perceber o porquê do 11 de Setembro, independentemente de se tentar perceber o que levara um indivíduo, uma organização, um estado a montar um tal esquema de ataque a um estado inimigo; mais, independentemente do papel das relações internacionais como mediadoras do conflito que então nascia, o estado Americano não tinha alternativa senão contra-atacar: só se consegue a paz preparando a guerra.
Surgem então questões éticas. Muito além das questões morais, somos então obrigados a perguntar: eticamente, como devemos avaliar a atitude americana? A melhor forma de resolver este conflito terá sido infligindo uma tal força sobre o inimigo que possa por si ser também interpretada como um acto de terrorismo? Será através da força que os estados resolvem os conflitos internacionais? Não será o homem capaz de aprender com os seus erros evitando voltar a cometê-los, progressivamente encontrando soluções? Serão as conversações internacionais o caminho da paz? Ou não será ela - a paz - uma singela utopia?
É certamente mais fácil, para um estado soberano e hegemónico optar por uma atitude de ataque, demonstrando o seu Poder, do que perceber o que leva um estado minoritário a cometer uma tal atrocidade como a do 11 de Setembro, aparentemente inesperada. Na verdade, deve haver uma busca de factos. Que estrada levou à encruzilhada? Onde, como, porque e quando nasceu a necessidade de conflito? Devemos esperar que o homem evolua, aprenda, e altere os seus conceitos de estabilidade?
Ideologicamente, este seria o caminho. O idealismo considera possível uma ordem política internacional baseada na razão e na ética, na qual os estados se comportam de forma racional e moral. Num mundo subdesenvolvido não há compreensão para o capitalismo. Estes estados subdesenvolvidos, onde reina a pobreza e onde maioritariamente os jovens não têm acesso à educação, são levados a cometer actos atrozes como forma de luta contra o domínio. Muitos dos jovens destes países subdesenvolvidos não vêem outra opção de vida senão a militante, seguindo pais, avós ou simplesmente aqueles que os induzem na acto de compreender que a riqueza, o consumismo, fundamentalmente o capitalismo são os seus maiores inimigos.
Não nos perguntamos como surgiu a Al-Qaeda. Decidimos apenas que ela é um alvo a abater, porque foi ela a responsável pelo acontecimento que chocou o mundo (assim fomos ensinados). Moralmente, é justo que se encontrem os culpados e que estes sejam castigados. Eticamente, devemos perguntar-nos de que são culpados, e porque razão é dada aos Estados Unidos da América a supremacia do poder de invadir, destruir e dizimar populações.
Na verdade, o poder internacional é exercido de forma directa por grupos sociais politicamente organizados, baseando-se na posse de recursos económicos, sociais e acções de intervenção, com objectivos comuns. A tal se dá a definição de descentralização do poder - ou seja, a decisão final não depende de um único estado, mas sim da união de interesses de vários estados. O idealismo defende uma harmonia natural entre os interesses dos diferentes estados, como princípio fundamental do seu visionamente. Esses "interesses" devem apresentar-se complementares e não antagónicos. A paz é um interesse colectivo, cujo desrespeito é irracional e imoral.
Então porque razão invadiram os Estados Unidos da América o Iraque após o 11 de Setembro?
A história reza que os estados mais poderosos em termos bélicos e económicos detêm o poder sobre as minorias. Hitler quase dominou a Europa sob a crença de supremacia alemã. As forças aliadas ergueram-se e derrotaram a tirania de um estado equivocado com o seu papel. Poderão os EUA estar igualmente equivocados quanto ao seu papel?
Aqui a imprensa desempenha um papel fundamental, aparentemente denunciando uma história imoral que foi a da morte de milhares de inocentes num acto sem precedentes. mas podemos realmente acreditar nesta filtragem de notícias e opiniões? Devemos ou não achar que temos o direito de denunciar as atrocidades que o estado americano tem infligido sobre o estado iraquiano?
Aldeias inteiras, mulheres e crianças têm sido dizimadas com ataques relatados como erros tácticos. Podemos certamente apelidar esses ataques de actos de puto terrorismo. Ou não?
O poder internacional deve agir como? Estamos a dar o mesmo ênfase aos acontecimentos na Faixa de Gaza, aos acontecimentos na Síria que temos dado ao longo dos últimos onze anos aos acontecimentos nos Estados Unidos? Quem são afinal as vítimas?
Segundo Hans Morgenthau, a essência do realismo reside na necessidade de conservar, aumentar e demonstrar o poder. As relações políticas são definidas por regras objectivas, profundamente enraizadas na natureza humana. Pressupõe racionalidade e razoabilidade. E só assim se poderá verificar o melhoramento da sociedade. Na perspectiva do realismo está implícita a manutenção da integridade do território, das instituições, da política e da cultura, e apenas quando estiver garantida a sobrevivência se poderão considerar outros interesses. Viveremos em permanente guerra...
Assim se entende o posicionamento dos EUA: acima de tudo a sobrevivência do seu estado. Em última instância, devemos perguntar-nos: a política externa de qualquer estado projecta-se em termos definidos como poder. Seremos então capazes de julgar outras nações como julgamos a nossa?
Então, o que é o poder? É em primeiro a defesa dos interesses nacionais, relativizando os valores, e subordinando a moral e a ética.